segunda-feira, 25 de outubro de 2010

- A Despedida de Zé Ninguém do Baixio das Aroeiras -

Nanquim à bico de pena - Tamanho A4 - 2010
Para ampliar, clique na imagem

O desenho do post de hoje é na verdade um desenho muito especial. Ele ilustra o texto de mesmo nome de autoria de Maurício Chaves, da banda Mucambo, que é recitado na introdução da música "Parte que não te cabe" nos shows da banda.


Acho que eu já tinha comentado sobre a banda Mucambo aqui anteriormente. O Mucambo é uma banda de amigos daqui que mistura rock com maracatu, baião e outros ritmos regionais. Há algum tempo, fui convidado por eles para fazer a produção da banda, graças a diversas colaborações que eu tinha feito anteriormente. E como é ser produtor de uma banda sem ter a mínima experiência necessária pra isso? Fácil não é, mas lendo muito sobre o assunto, prestando atenção na apresentação de outras bandas, participando do dia-a-dia, contribuindo com o pouco que conheço de música e partindo do princípio maior que "organizando bem as coisas, tudo anda nos conformes", a banda tem seguido em frente.

Mas vamos falar do desenho, que é o que importa aqui. O texto é forte e cheio de referências regionais, o que me obrigou a pesquisar e pensar a cena toda para expressar a mesma dramaticidade do texto. Como o texto é cheio de referências, tive que ir até a zona rural de Macaúbas o mais rápido possível e fotografar o máximo de coisas que eu poderia utilizar... a urgência foi por conta da época de chuvas que chegou por aqui.
Detalhe
Explicando melhor, o clima na região de Macaúbas passa muito tempo sem chuvas nesta época do ano (geralmente no período de julho a outubro). Para quem não conhece e vê a vegetação depois de muito tempo de estiagem, acha que está tudo morto, pois onde antes era verde, o tom passa a ser acinzentado, queimado do sol que castiga sem dó. Mas basta uma chuva que em torno de 15 dias a natureza mostra a sua força e o milagre do verde infesta as serras que rondam a região. Portanto, era preciso correr antes disso acontecer, para que eu pudesse ver o ambiente que o texto sugere.
Cenas da comunidade do Carrapato, zona rural de Macaúbas

Os detalhes do desenho exigiram um pouco de tempo e me fizeram lembrar quase que imediatamente do trabalho do francês Gustave Doré, que era um mestre neste tipo de técnica. É claro que eu ainda preciso comer muito arroz com feijão pra chegar perto dele, mas acho que o resultado foi satisfatório.

E como não poderia deixar de ser, vai abaixo o ótimo texto de Maurício Chaves que inspirou este desenho


A Despedida de Zé Ninguém do Baixio das Aroeiras.
(Maurício "Arriégua" Chaves)

Silencia na caída da tarde...
O sol se esconde afugentado com medo,
O agouro sublime ecoa nas terras do baixio
Rasgando os gravetos da caatinga.
Chora o menino de tristeza,
Chora a mãe de agonia.
A Acauâ canta com os seus olhos para o céu
Cravada no topo da aroeira.
É a ladainha do corpo falecido.
A oração derradeira do corpo maculado
É a ejaculatória do irmão Severino.
A incelença do barquinho do Jordão.
A despedida derradeira da terra marcada.
Não se ouve mais o batuque da enxada
Nas terras encascalhadas de lajedo.
Seu chapéu do torno não sai,
Nem a cabaça e o facão.
De tristeza o cachorro não levanta,
O canário não canta,
O carro de boi não trilha no estradão.
Não mais se vê nas capoeiras de caatinga de porco os estalos de Zé Ninguém...
Tem agora morada derradeira,
Recostado em tábua de mandacaru.
E a ladainha sertaneja da ave agoradeira
Lhe despede do topo da aroeira,
Melodiando o seu funeral
Nas terras do norte,
Dos filhos de Maria.
Se despede da famia.
Recebe agora a terra prometida
Na cara!
Nos olhos de quem não mais enxerga,
Na boca de quem não come mais,
No peito de quem não mais trabalha,
Nas mãos de quem não mais precisa.



E pra quem se interessou em conhecer mais da banda Mucambo, acessem o site da banda, onde há músicas, vídeos, etc.


Licença Creative Commons
Despedida de Zé Ninguém do Baixio das Aroeiras de Eduardo Cambuí Junior é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Vedada a criação de obras derivativas 3.0 Unported.

5 comentários:

  1. olá meu amigo (malcriado)...

    belos traços à bico de pena...
    retratam o ótimo texto de maurício chaves com maestria...
    meus melodiosos elogios à tua arte, inspirada aí nos sertões de macaúbas...

    beijos em teu coração... ah, "malcriado coração"...

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  2. Maravilhoso, Edu! Do começo ao fim, com Gustave Doré - realmente a fonte não desmente a Obra - até este texto poético de Maurício Chaves. Parabéns, amigo Artista! Foste exímio!

    Não posso deixar
    O mundo girar
    E eu, aqui parado
    Olhando num espelho
    Esperando ser velho
    Vendo-me decepcionado.

    Vou ter que lutar
    Vou ter que sonhar
    Vou ter que viver
    Vou precisar de querer.

    Não há vontade perdida
    No segredo da vida
    Que é: lutar
    lutar
    lutar
    Desde a nascença
    Durante a presença
    Até ao nunca mais voltar.

    Vou continuar
    Mesmo sem motivo
    Que melhor incentivo
    Constatar
    Que estou vivo?...
    Incentivo
    By bloackt, autor português

    Beijinhos
    Tudo e Bom
    Até a próxima**********

    PS: Quanto à Sétima Arte, tornou-se plural, são Sétimas. Há filmes sim. Pouco tempo atrás, fiz Clash of Titans*. Só que o Blog cresceu, conforme eu ia publicando textos, poemas, livros. Daí a mudança. Já quanto àquele último post, eu o fiz há uma semana e até agora não caiu. Pode?

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  3. Muito bom!, Edu. Valeu a pena tuas andanças pelo
    interior e teu trabalho de pesquisa.
    PARABÉNS!!

    Bjão

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  4. Perfeito, amigo!
    Tu nos coloca frente a frente com a realidade do nosso sertão e dos seus fortes habitantes. Tudo feito com uma perfeição impressionante.
    Não, não precisas comer tanto feijão com arroz!Rs. Tens uma inteligência privilegiada e a Arte no sangue.
    Valeu, Edu!!!Bjsss

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  5. olá, meu malcriado amigo...
    de visita uma vez mais, para te desejar um ótimo fim de semana...

    beijos em teu coração...

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